O dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra, no entanto, esse é um tema que precisa ser debatido durante todo o ano. Para refletir sobre formas de tornar a sociedade mais justa e igualitária, o Sindicato dos Metalúrgicos realizou entrevistas com o ex-árbitro de futebol, Márcio Chagas, e a presidenta da Unegro RS, Elis Regina Gomes de Vargas. Veja as entrevistas completas, por vídeo, no Facebook/metalurgicosdecarlosbarbosa.
Há seis anos, quando apitava uma partida em Bento Gonçalves entre Esportivo e Veranópolis, Márcio Chagas foi vítima de um ato de racismo. O então juiz denunciou o clube, após encontrar bananas sobre o seu carro e no escapamento do veículo, quando deixava o estádio Montanha dos Vinhedos. Márcio também disse ter sido alvo de ofensas racistas durante todo o jogo. Desde então, ele tem se engajado na causa.
“O Dia da Consciência Negra é uma data muito importante para refletirmos sobre a formação da nossa população brasileira desde a escravidão até os dias atuais. Somos uma sociedade em que mais de 56,2% da população é negra, mas que, ao ligar a televisão, não a vemos. Onde estão essas pessoas, se não em posições de subalternidade? Por que não as enxergamos em consultórios médicos, em dentistas, advogados? Por que a população negra não consegue quebrar esse racismo estrutural?”
Márcio Chagas – ex-árbitro de futebol e ativista
De acordo com Márcio, vivemos um mito da democracia racial que não existe e precisa ser quebrado. Para ocorrer uma mudança positiva para toda a sociedade brasileira, as oportunidades devem ser equânimes. “A meritocracia só pode ser usada quando todos saem de um mesmo lugar. No momento que uma pessoa sai de um local periférico, sem saneamento básico, saúde e educação, automaticamente não sairá do mesmo lugar que alguém que sai de uma escola particular, com toda estrutura”, reflete.
Márcio foi comentarista esportivo na RBS e lança o debate sobre os poucos apresentadores e comentaristas negros na televisão brasileira. “Angela Davis (filósofa norte-americana) diz que toda vez que ela vem ao Brasil, ela liga a TV para ver se houve algum avanço, mas toda vez ela percebe que não aconteceu. Há mais de 40 anos ela não vê essa mudança. A Maju é usada como exemplo de exceção. Quando só tem um negro é por que o racismo continua. No esporte os negros normalmente conseguem ter mais ascensão e só há dois comentaristas. Não conseguimos avançar porque, quando tentamos falar sobre racismo, sempre acontece uma polêmica”, diz.
“NOSSA FELICIDADE SE TRANSFORMA EM NÓ NA GARGANTA”, DIZ ATIVISTA
“No momento em que comemorávamos a primeira bancada negra na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, vem esse episódio do Carrefour (morte de Beto Frei-tas após ser espancado por dois seguranças). Não conseguimos nem ficar felizes. Nossa felicidade se transforma em um nó na garganta e a realidade da vida novamente nos traz do sonho e nos joga uma bomba como essa.
Eu vou ao mercado sem bolsa para não ser perseguida pelos seguranças. Nós ensinamos aos nossos filhos a não fazerem movimentos bruscos em uma abordagem para que eles possam voltar vivos para casa. Faz muito tempo que a gente tenta mostrar essa realidade que a gente vive aqui no estado. Não quero defender o supermercado, mas isso acontece em todos os lugares. Não é exclusividade do Carrefour. Isso acontece todos os dias em nossas comunidades.
Historicamente, a Câmara de Vereadores e os locais de consumo não são o nosso lugar. Historicamente, o nosso lugar é de pedinte, é de trabalho – os lugares que foram reservados na teórica Abolição da Escravatura. Teórica porque, quando aconteceu, não tínhamos direito ao voto, posse de terras, educação, etc. Eu quero acreditar que o resultado das eleições, com as negras e negros eleitos, inicie uma mudança e evolução para seguir nessa reparação histórica.”
Assista a entrevista com a Elis.
“É MUITO DIFÍCIL EVOLUIR NA PROFISSÃO”
“A gente sente preconceito aqui, mas não é diferente dos outros lugares por onde passei. Nas ruas, já vi pessoas atravessando para não passar perto da gente. Nos lugares onde trabalhei, muitos superiores não acreditavam que tínhamos capacidade de executar o trabalho. É muito difícil evoluir na profissão, eles sempre colocam um branco daqui, antes.
Não acredito que o racismo possa acabar porque ele começou muito antes de nós e têm muitas pessoas brancas que se acham superiores. No Senegal também houve muita escravidão no passado e até hoje existem pessoas que carregam esses pensamentos daquela época no mundo inteiro.”
Por que 20 de Novembro?
A escolha da data — que celebra a luta da população negra no país por liberdade, garantia de direitos e contra uma estrutura social racista — remete a 1971, quando foi criado o Grupo Palmares, em Porto Alegre. O dia 20 de novembro foi escolhido por marcar a morte de Zumbi dos Palmares, um líder que lutou contra a tirania escravagista para libertar a população negra.