No Brasil, a cada minuto que passa, um trabalhador sofre um acidente enquanto desempenha as funções para as quais foi contratado. Em 2018, a Previdência Social registrou 576.951 acidentes de trabalho, mas essa marca abrange apenas os empregados com carteira assinada, já que a definição legal de acidente de trabalho se restringe à ocorrências que envolvem os segurados do Regime Geral de Previdência Social. Porém, um estudo realizado pela Fundacentro – fundação ligada ao Ministério da Economia especializada na pesquisa sobre questões de segurança do trabalho – estima que, se forem considerados os trabalhadores informais e os autônomos, esse número pode ser até sete vezes maior, se aproximando de 4 milhões de acidentados todos os anos.

A incidência dos acidentes de trabalho, ou seja, o número de trabalhadores acidentados em relação ao total de trabalhadores assusta ainda mais. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), monitorado pelo Ministério da Economia, contabilizou cerca de 38 milhões de empregados formais no final de 2018. Ao confrontar esses dados com o número de acidentes, chegamos a uma relação de 15 mil casos para cada milhão de trabalhadores. Para se ter uma ideia do que isso representa, na Itália, um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19, a incidência da doença na população foi de aproximadamente 3 mil pessoas infectadas para cada milhão de habitantes. Isto é, se os acidentes de trabalho no Brasil fossem uma doença infecciosa, sua capacidade de contágio seria cinco vezes maior do que a do coronavírus.

Mesmo dentre os empregados formais, a subnotificação é um problema. Em aproximadamente 18% dos casos, o documento oficial de registro do acidente (Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT) não é emitido, e a informação só chega ao conhecimento da Previdência via sistema de saúde, prejudicando a apuração de detalhes da ocorrência e a tipificação do acidente. No Brasil, equiparam-se ao acidente típico de trabalho (aquele ocorrido no exercício das suas funções), para fins previdenciários, o acidente sofrido pelo trabalhador no trajeto da sua residência até o trabalho e as doenças desencadeadas pelo desempenho das suas atividades. Em 2018, os acidentes típicos representaram 62% do total das ocorrências, os acidentes de trajeto corresponderam a 19% e as doenças do trabalho a outros 2%, sendo que 17% dos casos não tiveram CAT registrada.

O desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, um dos gestores do Programa Trabalho Seguro no TRT-RS, acredita que múltiplas circunstâncias contribuem para o alto número de acidentes. “Existem muitos fatores que fazem com que o nosso país seja um dos recordistas em acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Posso destacar o não cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho por parte das empresas e a flexibilização dessas normas, que vêm sendo revistas sem ampla discussão e, em regra, com prejuízo à questão da segurança; a deficiência no treinamento dos trabalhadores acerca da importância do cumprimento das normas e dos procedimentos necessários a evitar os acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; e uma fiscalização pouco efetiva e abrangente, visto que os governos, em geral, não proporcionam condições para que os agentes da inspeção possam exercer suas atribuições de forma efetiva, a começar pela extinção do Ministério do Trabalho, além da falta de verbas, do sucateamento dos prédios e da estrutura do antigo Ministério, a não realização de concursos, etc.”, avalia o magistrado.

Alto custo dos acidentes de trabalho

Além da dimensão humana, existe também o impacto econômico de índices tão altos de acidentes de trabalho. “É importante lembrar que o acidente de trabalho, além de ser muito grave para o trabalhador (e sua família), traz custos para o empregador e para toda a sociedade. A empresa terá de arcar com indenizações por danos morais, materiais e estéticos que, em muitos casos, alcançam valores bem expressivos. Em muitos casos, a Previdência Social terá de pagar benefícios ao trabalhador e, às vezes, aos seus sucessores, que acabam onerando toda a sociedade”, reflete o desembargador.

As dimensões dessas despesas são até mesmo difíceis de mensurar se forem incluídos todos os custos diretos e indiretos, como o tratamento médico ou a contratação de um profissional substituto, por exemplo. Porém, estima-se que os gastos decorrentes de acidentes de trabalhos possam superar R$ 70 bilhões ao ano, de acordo com estudo realizado por José Pastore, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo.

Previdência Social

Em 2018, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) encerrou o processo administrativo relacionado ao tratamento e à indenização de sequelas de 595.237 acidentes de trabalho. O total gasto, incluindo auxílios e benefícios, foi de aproximadamente R$ 12 bilhões. Apenas cerca de 17% dos acidentados requerem cuidados médicos leves, e os empregados podem seguir prontamente com seu trabalho normal. Nos demais casos, cerca de 61% resultam em afastamento do empregado por um período menor do que 15 dias, situação em que o empregador arca com o pagamento do salário do trabalhador, e em 22% ocorrem afastamentos por mais de 15 dias, podendo resultar ainda em incapacidade permanente (14.856 ou 2% dos casos) ou até mesmo na morte do trabalhador (2.098 ou 0,4% dos casos), situações em que o dispêndio é muito maior e fica a cargo de toda sociedade.

Mesmo que não sejam a maioria, os acidentes cujas consequências são mais duradouras provocam o pagamento de auxílios e benefícios previdenciários que, dependendo dos casos, podem ser vitalícios. Cerca de 62% dos acidentes de trabalho envolvem trabalhadores com menos de 40 anos de idade e, nos casos mais graves, geram aposentadoria por invalidez precoce ou, ocorrendo o óbito, pensões para os dependentes. Os pagamentos desses benefícios, conforme a idade da vítima, pode se estender por mais de 20 anos, sobrecarregando ainda mais o sistema previdenciário.

Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul contabilizou o terceiro maior número de acidentes de trabalho entre os estados brasileiros em 2018. Foram 48.559 trabalhadores com carteira assinada acidentados, contra 197.330 acidentes em São Paulo e 59.553, em Minas Gerais. Porém, se considerarmos a quantidade de empregados formais em cada Unidade da Federação, os estados do Sudeste ficam na 10ª e na 11ª posições da lista com mais acidentes por milhão de trabalhadores. O Rio Grande do Sul integra um grupo com Santa Catarina e Rondônia em que são registrados aproximadamente 19 mil acidentes por milhão de empregados (4 mil a mais que a média brasileira, de 15 mil/milhão), atrás somente do Mato Grosso do Sul, com 20 mil/milhão.

A subnotificação também supera a média nacional. Do total de acidentes registrados no estado em 2018, 31.891 (66%) são acidentes típicos, 6.544 (13%) são de trajeto e 833 (2%) correspondem a doenças do trabalho, sendo que 9.291 (19%) não tiveram CAT registrada. Foram liquidados 50.069 processos pelo INSS no RS no mesmo ano, sendo que 10.794 (22%) necessitaram de atendimento médico leve, 27.162 (54%) resultaram em afastamento de menos de 15 dias, 10.819 (22%), afastamento de mais de 15 dias, e 1.178 (2%) provocaram incapacidade permanente. Ocorreram, no mesmo período, 116 óbitos (2%).

Repercussões na Justiça do Trabalho

Cerca de 10% a 20% dos acidentes de trabalho acabam sendo objeto de ação na Justiça do Trabalho. Na maioria dos casos, os empregados buscam a responsabilização da empresa por danos materiais, morais ou estéticos e a consequente indenização. Nos casos de incapacidade permanente, também pedem o pagamento de uma pensão por parte da empresa. Nos anos de 2016 a 2018, foram ajuizadas 25.406 ações na Justiça do Trabalho gaúchas sobre acidentes de trabalho. Houve uma queda significativa no número de processo abertos em 2018, mesmo que o número de acidentes tenha inclusive aumentado 3,3% em relação ao ano anterior. Em 2017, foram 9.957 novas ações, contra 4.862 em 2018. O desembargador Alexandre Corrêa da Cruz atribui a queda à edição da Reforma Trabalhista: “Há uma peculiaridade importante a ser destacada, que foi a edição da Lei nº 13.467/2017. Com o advento desta lei, o trabalhador que não consegue comprovar a procedência dos seus pedidos tem de pagar os honorários advocatícios ao advogado da outra parte, além dos honorários periciais e as custas processuais. Creio que este foi o principal fator que inibiu o ajuizamento de demandas trabalhistas, o que não significa, por óbvio, que tenham diminuído os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais, como os próprios dados da Previdência demonstram”.

Importância da prevenção

Especialistas apontam o incentivo à prevenção como a principal estratégia para a diminuição no número de acidentes de trabalho. Estudo do então Ministério do Trabalho realizado em 2016 revelou que os trabalhadores de empresas maiores, com mais de 100 empregados – as quais estão submetidas a regras mais rígidas de segurança e saúde – têm até três vezes menos chance de serem vítimas de acidentes de trabalho, quando comparados com empregados de empresas pequenas, trabalhadores informais ou autônomos. Além de reduzir o número de acidentes, a prevenção também contribui para uma diminuição ainda maior no impacto econômico dos acidentes, dado que análises demonstram que o custo dessa medidas é menor do que os gastos com a reparação.

“Prevenção é a palavra de ordem! Todo o investimento deve ser feito na prevenção dos acidentes de trabalho, por meio do treinamento de todos (desde a direção da empresa, chefias, até o trabalhador) e da utilização de equipamentos de proteção coletiva, de forma preferencial, e de proteção individual, sempre que a coletiva não seja suficiente. Não seria melhor que as empresas utilizassem em prevenção os valores gastos com indenizações? Não seria melhor que a Previdência economizasse os recursos gastos com acidentes para disponibilizá-los em outros benefícios para a população?”, reflete o desembargador.

Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho

A maioria dos dados utilizados nesta matéria estão disponíveis no site da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia. Desde o ano 2000, as informações são publicadas no Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, que compila informações levantadas pelo Instituto Nacional de Seguro Social para a concessão de benefícios acidentários. São fornecidas estatísticas básicas sobre acidentes do trabalho nos municípios brasileiros, que abrangem as atividades econômicas mais afetadas, o agrupamento dos dados por sexo e faixa etária, o número de óbitos, dentre outras informações. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *